Ontem, sentada em um banco de ônibus, cometi um voyeurismo que me fez rir e repensar. Havia duas garotas à minha frente, uma delas mexia o braço em um único movimento, e entre cada movimento havia um espaço de tempo em que um comentário era repetido, trilhões de vezes, “Que fofa”. Então ouvi um som que após eu sair daquele ônibus eu tive certeza de que era um álbum de fotos se fechando. As duas começaram a conversar, diziam que não se lembravam da infância, dos primeiros dias de vida. Eu lembro, sabe, eu me lembro dos meus primeiros dias de vida. E desta forma eu luto quando me dizem que ressuscitar não existe.
Eu lembro, lembro sim, pois meus primeiros dias de vida foram quando eu entrei em um tal lugar. Até lá eu estava mortinha, sem esperanças ou sentimentos. Não sabia nem o que era mundo, universo ou coração. E então comecei a viver, descobri simbolizações que soam como suprimento emocional. Conheci o amor fraternal, descobri o que eu era. Aprendi a ler, matando a curiosidade “O que são amigos?”. Vivi bem devagar, descobrindo pouco a pouco as coisas da terra. Mas sempre frágil como uma lasca de cristal.
Foi assim até o dia em que eu morri, até o dia em que palavras soaram mais alto. Até o dia em que eu descobri que nem todo mundo era bom, que existia dor, que uma irmão, apesar de ser irmão, poderia bater em sua irmã e até nos próprios pais. Descobri que fogo não era único e propriedade de fogão, vi o que o vicio causava em alguém que você amava. E lá estava eu, morta. Sem esperanças, com medo, e desejando todos os dias que eu pudesse ter a chance de morrer em carne. Em alguns tempos, alguns poucos anos, eu voltei a viver. Descobri que após cada chuva há uma toalha, que após cada tombo há um remédio e que após cada sofrimento há um abraço.
Conheci o amor mais forte, o amor que se preocupa e que percebe aquilo que você é. E percebi também aquilo que me tornei. Nasci morta, vivi, morri, revivi e de qualquer forma... Eu não sei para que estou aqui. Há coisas boas e maravilhosas neste mundo. Mas às vezes eu queria não saber ler, não saber escrever, queria voltar à época em que eu ainda estava morta. Porque as ações do ser humano me deprimem, os aspectos da sociedade me fazem fria. E o sol para mim é como um perigo. O mundo é o mesmo dês de que nasci, aquilo que faz a diferença, é que assim como eu outros nasceram mortos, viveram e morreram. Mas o reviver havia se escondido, não havia um ombro amigo e assim se cresce morto. Diante de sua alma ferida, se deseja um corpo mutilado.
1 comentários:
Viver, tarefa dificil, e pra mim é incompreensível. Às vezes não encontro motivo pra tanta existência, tanta luta, tantos deseganos, e penso: Meu Deus, eu preciso ser recompensada por estar aqui!
Intenso o seu post!
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