Pedra, papel e tesoura.

janeiro 07, 2009

    Durante todas as noites de domingo, Ana costumava sorrir amargamente para pessoas que odiara. Ela fazia um papel falso de mártir e usufruía de frases clichês, apenas para abafar suas verdadeiras conclusões e opiniões. A parte mais cansativa de toda a sua atuação era por si só a parte em que ela tinha que tomar vinho como se o estivesse provando a cada gole, quando na verdade toda essa loucura a fazia desejar invadir a cozinha e tomar qualquer bebida mais forte, pela garrafa. Com todas as atuações de domingo, ela começara a desejar um tipo obsceno de garotos, o tipo errado de conversa e qualquer coisa que a fizesse se sentir fora de controle.
    Era o ultimo domingo do ano em que ela iria ter que agüentar todo o masoquismo dessa vida, da qual ela se sentia, nada mais nada menos, como um parasita. Após todos os convidados chegarem e após toda a encenação de falar docemente "Sejam bem vindos", Ana fugiu para a adega de seu pai. Ao chegar ao local, Ana tirou seus sapatos e cambaleou até o armário com os vinhos mais antigos e amargos que seu pai poderia ter, roubou qualquer um, sem reparar no nome ou cor.
    Ana estava se deliciando com o aquecimento que aquilo causava em seu corpo, ela estava perdendo o controle e pulando fora de qualquer altruísmo que pudesse causar nela, naquele momento, o remorso. Ela parecia divertida e animada, mas ela estava definitivamente fora de controle. Desceu as escadas com o rosto inchado e encharcado, com a garrafa de vinho nas mãos e seu vestido sujo e com fios puxados e rasgados. Ana mais parecia algum tipo de princesa frustrada, mas não só parecia, ela era. Pais e visitas ficaram constrangidos com a cena, quiseram fugir ou até mesmo espancar a menina. Ana saiu correndo derrubando garçons e pisando em longos e caros vestidos. Pulou na piscina como um peixe fora d'água, era tudo que Ana precisava.
    Ana sempre foi certa, mas sempre foi errada. Abaixava a cabeça, respeitava ordens e não quebrava regras. O único problema, era que Ana nunca viveu. Ana sempre foi um fantoche divertido, lindo e perfeito. Ela era como bonecas de filme e coisas parecidas. Tinha todo o dinheiro do mundo, pais perfeitos, casa perfeita e milhões de garotos a desejando, milhões de garotas a invejando. Talvez o perfeito fosse enxergado apenas pela platéia, em quantos todos assistiam admirados, Ana desejava ser paga logo para que pudesse sair daquele filme estúpido. A Perfeição foi alcançada tão facilmente e tão rapidamente, mas não foi atentada para os detalhes. A perfeição talvez sempre fosse algo que ela desejava talvez algo que ela sempre achou impossível, mas quando o teve enxergou toda a confusão que o mundo fez ao prepará-la em busca dessa perfeição. Perfeição daquelas, nunca traria qualquer tipo de felicidade, Perfeição é algo para os filmes, algo montado, algo programado por todos os segundos, algo que só seria perfeito, para quem estivesse de fora.
     única vontade que perseguia Ana, depois de toda a revolução, era jogar um jogo de sua infância, onde começou toda a contradição. Cortar, com a tesoura da cozinha, seu cabelo o mais curto possível, quebrar com uma pedra sua janela limpa e brilhante e escrever uma carta de despedida, nada mais, nada menos... Do que um The end.
              E: 30 de novembro de 2008.